''Ao acordar naquela manhã de sonhos perturbadores, Gregor Samsa viu-se transformado...'' A frase, imortalizada na obra-prima de Franz Kafka, ''Metamorfose'', ganha um releitura estética na linguagem dos quadrinhos através da adaptação de Peter Kuper, que chega este mês ao Brasil pela editora Conrad.
Antes de mais nada é bom lembrar mais uma vez a história e importância da produção de Kafka. Nascido em Praga, em 3 de julho de 1883, o escritor viveu sob a influência da cultura tcheca, judia (herdada de seu pai) e alemã. O autor, formado em Direito, trouxe para seus contos o realismo e a metafísica em forma de críticas ácidas e irônicas ao sistema burocrático.
Em ''Metamorfose'', Kafka destila angústia, opressão, medo e a dolorosa racionalidade de Gregor Samsa, personagem que acorda transformado em uma barata do dia para a noite. A história, que pode ser interpretada de diversas maneiras -Samsa poderia representar o dependente de drogas que é abandonado ou mesmo os marginais das grandes cidades-, é especialmente adorada pelos jovens, devido à intensidade com que o autor narra o período de mudanças e as consequências das mesmas de forma lúcida e muitas vezes cruel.
Os contos de Kafka só foram reconhecidos como obra de um grande escritor após sua morte, em 1924. Agora, Metamorfose pode ser admirado com novos contornos visuais, através dos traços expressionistas de Peter Kuper, expoente dos quadrinhos norte-americanos. Kuper sempre buscou inovações estéticas na arte-sequencial mas ganhou notoriedade através do sucesso comercial de suas tiras ''Spy vs Spy'', publicadas na revista MAD.
Em meados de 90, o quadrinhista surpreendeu com um dos melhores álbuns da década. ''The System'', lançado pelo selo Vertigo Verité, da DC Comics, foi todo produzido em enormes quadros, gerados com o auxílio de um aerógrafo, transpostos para as páginas da revista. Com isso, a história, que não tem balões, é toda narrada como se fosse pichações feitas com spray em muros, como vimos em todas as grandes cidades. Em ''The System'' (''O Sistema'', publicado no Brasil pela editora Abril) Kuper trouxe à tona a violência, a corrupção e todo o lado negro de uma metrópole da ''liberdade e oportunidade'', como Nova York.
Depois disso, Kuper passou a se dedicar ao projeto de Kafka, a quem admira muito. O resultado é a simbiose perfeita entre texto e imagem. As deformações a que Kafka impõe à realidade através das palavras perdem um pouco de força mas, em compensação, a sufocante experiência de Gregor Samsa é levada ao extremo, em preto-e-branco e no clima tosco e hostil que Kuper estiliza em desenhos que muitas vezes buscam a xilogravura.
Kuper não só instiga os novos leitores a conhecerem o livro original como aproveita também para utilizar algumas técnicas da nona arte para complementar as imagens sugeridas por Kafka, um presente aos fãs que já apreciam a obra do escritor. Os balões de falas indicam o estado emocional e a rispidez com que os personagens conversam; contornos são compostos por palavras quando a ansiedade de Samsa aumenta; o tempo e o espaço são destruídos e construídos em quadros para demonstrar confusão e a sempre incômoda condição da barata é impregnada em cada página da revista através de expressões faciais e corporais.
(retirado do Bonde)
Que delícia. Sou fã de Kafka.
ResponderExcluirE essa obra em especial é muuuuuito legal :)
ResponderExcluirEssa obra é fantástica, seja em HQ ou em livro. Obrigado por postar.
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